O Júnior era um paciente já adulto, mas que nascera com um defeito no coração; havia sido enviado ao hematologista a fim de ser tratado periodicamente com retiradas de sangue, conforme o resultado do exame que fazia todo mês. Essa retirada de sangue para tratamento se chama sangria.
Na primeira consulta o hematologista lera todo o relatório de sua doença, documento minucioso. E então se iniciaram as avaliações mensais, sendo em várias delas feitas sangrias para alívio dos sintomas.
Certo dia, quando o Júnior estava no início do atendimento, se apresentaram dois estudantes (um rapaz e uma moça) do quinto ano do curso de Medicina:
— Professor, hoje nós estamos aqui com o senhor…
— Ótimo. Algum de vocês pretende ser cardiologista?
— É algo a pensar, respondeu ele.
— Qual de vocês?
— Nós dois!
— Muito bom. Então examinem o Junior enquanto eu cuido dos papéis para providenciar os exames e os registros.
Então o professor hematologista mostrou as extremidades azuladas nos dedos baqueteados do paciente, que imediatamente atendeu o pedido para pôr-se deitado para ser examinado. Foi-lhes dito que se tratava de um caso de Síndrome de Eisenmeger, mas que o detalhamento dessa doença poderia ser obtido com os professores de cardiologia já que ali, no ambulatório de hematologia, o cuidado se dirigia apenas às alterações na concentração do sangue, consequência da doença. E assim, enquanto os futuros cardiologistas escutavam o tórax e faziam outras verificações no corpo do Júnior, o hematologista cuidava de preencher formulários e carimbar papeis, que era a parte burocrática do atendimento.
Após alguns minutos, quando o paciente já se encontrava sentado abotoando a camisa, foi feita a pergunta:
— Que vocês constataram?
— Professor, eu não consegui ouvir a segunda bulha, respondeu o rapaz.
“Bulha” é o som da batida do coração; em geral são duas: a primeira e a segunda, “tum-tum”…
— Eu não consegui ouvir nem a primeira, disse a moça.
Ou seja, a falta do som poderia fazer supor que o Júnior não tinha o coração. Então o paciente, voltando-se para ela, explicou:
— É que meu coração fica no outro lado…
Face ao espanto demonstrado pela acadêmica, Júnior continuou:
— Quando eu passo mal e vou para a UTI, eu tenho de dizer que meu eletro tem de ser feito com os fios trocados de lado, com as cores ao contrário…
Então o professor convidou o paciente a voltar para a maca, e então, examinando-o “ao contrário”, foi possível aos acadêmicos constatar os ruídos anormais próprios da má-formação com que nascera.
O detalhe: o professor hematologista sabia desse achado, mas como era um detalhe que nada tinha a ver com o tratamento que realizava, nem se lembrou de prevenir os futuros esculápios de que o paciente era dextrocardíaco (coração voltado para o lado direito). Uma coisa é certa, porém: eles nunca se esqueceriam, pelo resto de suas vidas, de considerar essa possibilidade na vida profissional.