Texto publicado originalmente em 16/10/2024 na Folha Vitória
Dr. Thales Gouveia Limeira
Médico especialista em Hematologia e em Patologia Clínica (Medicina Laboratorial)
Assessor médico dos laboratórios clínicos do Grupo Tommasi
Em 1492, antes que Colombo chegasse à América, o papa Inocêncio VIII estava doente. Um curandeiro se dispôs a restaurar a saúde do pontífice, e para isso foi feito um sorteio a fim de selecionar doadores, três meninos de dez anos (cada um dos quais recebeu um ducado como recompensa pela doação).
Não há detalhes sobre como o doente foi tratado, mas sabe-se que o tratamento não deu certo, pois tanto o papa como os três jovens doadores morreram. Aliás, estes nem puderam gastar a quantia recebida, já que a morte ocorreu pouco depois da retirada do sangue. Valeu a intenção: foi para uma boa causa.
Cinco séculos depois, e com muitos conhecimentos biológicos acumulados, a história não se repetiu: o papa João Paulo II foi tratado eficazmente com transfusões de sangue após ser baleado em 1981, e salvou-se, vivendo por muitos anos.
Nos tempos atuais, o sangue é bem conhecido pelos profissionais da saúde: composição, tipos, funções, capacidade de manter a vida, riscos. E as doações remuneradas, que já foram muito comuns no Brasil, foram extintas no fim da década de 1980 (elas não eram propriamente “doações”, mas comércio, em que quem precisava obter dinheiro negava suas condições de saúde para “empurrar” um sangue de má qualidade, muitas vezes contaminado com doenças).
A doação de sangue é um ato altruísta que desempenha um papel chave na sociedade, salvando vidas e promovendo a saúde pública. Embora muitas vezes se fale sobre os benefícios que a transfusão proporciona aos pacientes, como em cirurgias, tratamentos oncológicos ou acidentes graves, é importante reconhecer que essa prática também traz benefícios significativos para os doadores.
Doar sangue é uma solidariedade que fortalece os laços comunitários. Quando alguém se voluntaria a doar, não apenas oferece um recurso vital, mas também se torna parte de uma rede de apoio que transcende a individualidade. Essa conexão social é vital em um mundo onde o individualismo muitas vezes predomina.
Além disso, a doação de sangue pode promover um senso de propósito e realização pessoal, uma vez que o doador sabe que está contribuindo para a vida de alguém, e até mesmo de várias pessoas, cada uma delas recebendo uma fração do sangue doado (crianças, por exemplo, recebem pequenas quantidades de sangue de uma única doação).
Doar sangue é uma experiência que pode ter efeitos positivos na saúde do próprio doador. Estudos sugerem que a doação regular pode levar à redução do risco de certas doenças, como moléstias cardíacas, devido à redução do ferro quando ele se encontra em excesso no organismo.
Isso se deve ao fato de que o corpo, ao repor o sangue doado, ativa mecanismos de regeneração celular e produção de novos glóbulos vermelhos. Assim, o ato de doar não beneficia só a quem recebe, mas também a quem doa.
Entretanto, é crucial que o processo de doação e transfusão se faça de maneira segura e responsável. A saúde dos doadores e dos pacientes deve ser sempre priorizada, o que é o contrário do que ocorreu em 1492. Os serviços de hemoterapia (ou “bancos de sangue”), que coletam e distribuem o sangue doado, seguem rigorosos protocolos de segurança para garantir que a doação não cause danos à saúde do doador. Isso inclui a avaliação prévia, em que são verificados diversos aspectos, inclusive hábitos de vida e a história de saúde, a fim de prevenir complicações.
Além disso, a transfusão deve ser feita com cuidado e conforme as normas estabelecidas. Isso garante que os pacientes recebam o tipo de sangue adequado, reduzindo riscos de reações adversas. A hemoterapia, quando realizada corretamente, pode ser uma verdadeira salva-vidas, mas é essencial que todas as etapas, desde a doação até a transfusão, sejam monitoradas por profissionais qualificados.
A conscientização sobre a importância da doação de sangue deve ser promovida constantemente em vários setores da sociedade: escolas, universidades, empresas etc. Campanhas educativas podem ajudar a desmistificar o processo e incentivar mais pessoas a se tornarem doadoras.
Muitas vezes, o medo ou a falta de informação impede que indivíduos façam doações. Esclarecendo que a doação de sangue é um procedimento seguro e que a recuperação é rápida, é possível aumentar o número de doadores.
Se 2% das pessoas que estão em condições de doar sangue o fizessem regularmente, não seria preciso que os hospitais pedissem doadores para os pacientes serem tratados.
Em resumo, a doação de sangue é uma prática essencial que oferece benefícios tanto para os pacientes quanto para os doadores. É um gesto de amor e solidariedade que fortalece comunidades e promove a saúde pública.
É vital, porém, que esse ato seja realizado com responsabilidade, garantindo a segurança de todos os envolvidos. Portanto, ao considerar a doação de sangue, lembre-se de que você não está apenas salvando uma vida, mas também contribuindo para um mundo mais solidário e saudável.